sábado, 12 de dezembro de 2015

paixão de busão

praça raposo tavares, 17:20, maringá/mandaguari

tempo nublado, sol sorrateiro, tímido entre as nuvens.

eu não sei quem era ela. nem nunca saberei.
a praça estava com movimento costumeiro, pessoas pra lá, pessoas pra cá, carros, motos, semáforos e pombos.  de repente no horizonte surge uma moça de cabelos dourados. eu poderia jurar que ela estava brilhando. havia muita luz naquele caminhar. algo nela me fez ficar alguns segundos sob estado de hipnose. sabe quando você vê algo e não acredita? então.
ela ainda estava longe, mas vinha desfilando, convicta. quando aproximou-se, instintivamente desviei o olhar; fiquei sem graça de estar encarando uma pessoa completamente desconhecida, mas estranhamente familiar. pensei que ela fosse passar batida. simplesmente passar, olhar, atravessar, partir.
ela parou no ponto onde eu estava, a duas pessoas de distância. olhei de soslaio pra confirmar. meus pensamentos se voltaram para a questão: "quem é essa pessoa?"
na entrada do ônibus duas pessoas furaram fila, logo em seguida uma outra quis furar, mas barrei a danada com a minha sombrinha (utilidades múltiplas, há!) logo atrás de mim, ao entrar no ônibus, a moça cheia de luz reclama: "que coisa feia furar a fila do ônibus, hein, que feio!"
lembro-me de apenas ter virado pra trás querendo dizer: "AHAZOU, VIADA!" mas de certo meu olhar disse coisas que nem eu mesma sei.
passei feliz a roleta, voltei pra pagar 5 centavos restantes. (de 3,50 pra 3,55...)
sentei num daqueles meus bancos favoritos, que ficam sozinhos ali ao lado da janela, com total controle da janelinha acima. a moça sentou na minha frente. ela mexia na bolsa, arrumava o guarda-chuva, mexia na bolsa, mexia no cabelo, tirava uma coisa da bolsa, parava, procurava outra, arrumava a bolsa no cantinho, procurava outra coisa (risos internos, tava me reconhecendo nessa mulher), até que enfim aninhou-se no banco com seu fone de ouvido e óculos escuros.
eu a observava minuciosamente, porém tentando disfarçar, pois há sempre alguém observando a observadora. era engraçado: ela observava cada pessoa que passava pela roleta. não eram olhares discretos, eram torcidas de pescoço. daquelas bem totais mesmo. nesse momento eu já estava naquela onda de sorrisos internos + encantamento.
passadas alguns quilômetros, soltei os pensamentos para o céu, deixei fluírem feito nuvens. vezenquando meus olhos passeavam em direção a moça na minha frente, principalmente quando ela olhava pra janela. as chances de uma visão periférica estar me alcançando eram imensas. vai saber, né?
enfim, o ônibus entrou na cidade e ela ainda estava lá. passou pela rodoviária e ela ainda estava lá. faltavam poucos minutos pra tentar entender o que essa criatura estava me causando. uma sutil melancolia foi tomando conta de mim, e eu ali, parada no banco, sem entender lhufas daquilo tudo, vi a moça partir. desceu naquele ponto bonitinho onde havia uma casa de madeira.
quis chorar. quis racionalizar. quis não mais entender. quis apenas sentir. e deixar ir.

não sei se era a moça em si. ou se era o que a moça representava. talvez fosse a simbologia humana de tanto fracasso amoroso. talvez fosse a poesia de um dia meio ensolarado. talvez fosse apenas uma moça cheia de luz cruzando a raposo tavares e descendo no ponto bonitinho. talvez fosse a desconhecida que eu mais quis conhecer.
ou talvez fosse o tempo. o ônibus. ou dezembro.

quem sabe?

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