terça-feira, 29 de dezembro de 2015

aquela sensação de reencontro

então.

esses dias uma mulher que me chamou muita atenção pegou o mesmo ônibus que eu. antes disso a vi chegando no ponto, reluzindo no horizonte. aquela criatura brilha, juro pra vocês.
como já contei, ela sentou no banco da minha frente e desceu num ponto bonitinho em mandaguari.
nesse momento eu pensei: nunca mais verei tal beldade outra vez.
fiquei até triste, quase chorei. uma despedida unilateral.
eis que nessa segunda 28.12.2015 estou descendo pra casa e vejo uma pessoa reluzindo no horizonte. ERA A MULHER MISTERIOSA.
ela atravessou as duas ruas, parou na esquina, esperando o semáforo fechar. eu, sem pensar duas vezes, atravessei outras duas ruas, parei na outra esquina, ainda sem acreditar. nem esperei permissão da luz vermelha, atravessei naquele lugar pelo mero prazer de cruzar o caminho dela. sabia que era ela, mas não tinha certeza. digo, no âmago do meu ser a convicção era certeira. ela não me olhou diretamente (não a partir do momento que olhei no rosto dela), passou tão perto, com uma visão periférica maravilhosa (sei muito bem quando alguém tá usando essa belezinha!), desfilando, olhando no horizonte mas prestando atenção em tudo.
como eu sei?
eu só sei.
ela é dessas pessoas que observam todos os detalhes, que sabem mas fingem não saber, que encantam sem mesmo perceber.
ela deve saber.
eu queria conhece-la.
será que universo irá me proporcionar um terceiro encontro desencontrado?
segui sorrindo pra casa. eu acho que sorri com os olhos, nariz, sobrancelhas e coração. (tava demorando pra citar o coração).
tem certos sorrisos que são como asas, fazendo voar a imaginação.
serei agraciada novamente? eis a questão.

sábado, 12 de dezembro de 2015

paixão de busão

praça raposo tavares, 17:20, maringá/mandaguari

tempo nublado, sol sorrateiro, tímido entre as nuvens.

eu não sei quem era ela. nem nunca saberei.
a praça estava com movimento costumeiro, pessoas pra lá, pessoas pra cá, carros, motos, semáforos e pombos.  de repente no horizonte surge uma moça de cabelos dourados. eu poderia jurar que ela estava brilhando. havia muita luz naquele caminhar. algo nela me fez ficar alguns segundos sob estado de hipnose. sabe quando você vê algo e não acredita? então.
ela ainda estava longe, mas vinha desfilando, convicta. quando aproximou-se, instintivamente desviei o olhar; fiquei sem graça de estar encarando uma pessoa completamente desconhecida, mas estranhamente familiar. pensei que ela fosse passar batida. simplesmente passar, olhar, atravessar, partir.
ela parou no ponto onde eu estava, a duas pessoas de distância. olhei de soslaio pra confirmar. meus pensamentos se voltaram para a questão: "quem é essa pessoa?"
na entrada do ônibus duas pessoas furaram fila, logo em seguida uma outra quis furar, mas barrei a danada com a minha sombrinha (utilidades múltiplas, há!) logo atrás de mim, ao entrar no ônibus, a moça cheia de luz reclama: "que coisa feia furar a fila do ônibus, hein, que feio!"
lembro-me de apenas ter virado pra trás querendo dizer: "AHAZOU, VIADA!" mas de certo meu olhar disse coisas que nem eu mesma sei.
passei feliz a roleta, voltei pra pagar 5 centavos restantes. (de 3,50 pra 3,55...)
sentei num daqueles meus bancos favoritos, que ficam sozinhos ali ao lado da janela, com total controle da janelinha acima. a moça sentou na minha frente. ela mexia na bolsa, arrumava o guarda-chuva, mexia na bolsa, mexia no cabelo, tirava uma coisa da bolsa, parava, procurava outra, arrumava a bolsa no cantinho, procurava outra coisa (risos internos, tava me reconhecendo nessa mulher), até que enfim aninhou-se no banco com seu fone de ouvido e óculos escuros.
eu a observava minuciosamente, porém tentando disfarçar, pois há sempre alguém observando a observadora. era engraçado: ela observava cada pessoa que passava pela roleta. não eram olhares discretos, eram torcidas de pescoço. daquelas bem totais mesmo. nesse momento eu já estava naquela onda de sorrisos internos + encantamento.
passadas alguns quilômetros, soltei os pensamentos para o céu, deixei fluírem feito nuvens. vezenquando meus olhos passeavam em direção a moça na minha frente, principalmente quando ela olhava pra janela. as chances de uma visão periférica estar me alcançando eram imensas. vai saber, né?
enfim, o ônibus entrou na cidade e ela ainda estava lá. passou pela rodoviária e ela ainda estava lá. faltavam poucos minutos pra tentar entender o que essa criatura estava me causando. uma sutil melancolia foi tomando conta de mim, e eu ali, parada no banco, sem entender lhufas daquilo tudo, vi a moça partir. desceu naquele ponto bonitinho onde havia uma casa de madeira.
quis chorar. quis racionalizar. quis não mais entender. quis apenas sentir. e deixar ir.

não sei se era a moça em si. ou se era o que a moça representava. talvez fosse a simbologia humana de tanto fracasso amoroso. talvez fosse a poesia de um dia meio ensolarado. talvez fosse apenas uma moça cheia de luz cruzando a raposo tavares e descendo no ponto bonitinho. talvez fosse a desconhecida que eu mais quis conhecer.
ou talvez fosse o tempo. o ônibus. ou dezembro.

quem sabe?

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

inter(rogação)

melancolia
para a psicologia um estado de tristeza extrema.
para a poesia um estado de mergulho às profundezas da existência.

- das coisas que a felicidade não nos deixa ver -

desde cedo, levantava, pensava: o que farei hoje?
de certo iria saudadear. só não tinha coragem de admitir para si mesma.
trôpega, confundiu queda com voo. afinal, qualquer tombo era motivo pra voar.
ao lado esquerdo, vozes falavam sem som. ao lado direito, corpos mexiam em vão.
ideias girando. mundo acabando. pensamentos impiedosos. imaginação cruel.
liberdade seria o total esquecimento. a viagem. a passagem. a partida.
será que é tão difícil entender que a estrutura já não sustenta a bagagem?
pra quem gritar socorro quando os ouvidos inebriados insistem em mascarar?
é o fim. é o começo. é o meio. é algo entre o seilá e o sabe-se lá o que.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

metropolitano maringá/mandaguari

Sábado, por volta das 21:30, entrada de Marialva.

Breu.

Tiver certeza que uma bala atravessaria minha cabeça. Pensava: "Que bosta. Não acredito que vou morrer assim, no meio do nada, a caminho de."
É fato: ninguém nota nossa bagagem na vida; a sacola é invisível aos olhos que não presenciaram.
Segue-se viagem. Nada importa. A roda continua a girar. Quantas pessoas ficaram pra trás? Quantas rotinas foram alteradas? Quantos olhares ficaram perdidos no horizonte?

Conexões momentâneas com pessoas estranhamente familiares, desabafando suposições, suas versões dos fatos, suas memórias, tanta subjetividade interligada, sincronizada...

Saltar degraus. Fechar janela porque outra pessoa sente frio.

A senhora saiu como um tiro pela porta, levando suas latinhas: "Aqui ninguém põe a mão não." Diz a voz convicta da experiência.
A cada parada um olhar desconfiado. A porta que era saída tornou-se entrada de perigo iminente. De repente, não mais que de repente, as luzes longínquas da cidade vertem poesia aparentemente inédita. O piano de Bach já tem sonoridade diferente nos tímidos fones de ouvido. Na rádio pensamento toca a música de quem já passou por mais essa e sobreviveu pra dar risada na cara do perigo.
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Teardrops - Massive Attack, não reparei o que acontecia até ver pessoas correndo desesperadas pela porta. A energia. O peso. O drama. O terror. Ainda sem saber, corro junto com a multidão de um ônibus lotado, achando que tudo iria explodir. Uma voz mais a frente grita: "Fecha essa porta senão eu enfio a faca no motorista."
Fecha-se a porta em cima das pessoas. Braço roxo. Perna manca.
Vejo alguém com uma faca no pescoço do cobrador. Corro pro fundo com a pequena parcela de pessoas restantes. Sinto um tiro imaginário ecoar no meu cérebro. Efeito de pânico. "Senta aqui do meu lado fia." Diz a senhora em choque. O ônibus começa a se movimentar no breu, rápido, fugaz. Pessoas ficaram pra trás. Olhos estatelados, coração acelerado, pele gelada. Silêncio. Os assaltantes ficaram pra trás. Não choro. Não consigo. Rodoviária, ligações, conexões, suposições, espera. 40 minutos. B.O.
Um ônibus lotado volta pra casa com acentos vazios. As palavras vão se perdendo e os pensamentos entram num redemoinho. A vida inteira passou diante os olhos. Há vida diante os olhos.