Acho que é uma inquietação de não
conseguir caber nas coisas do jeito que elas são.
Às vezes é uma vontade de sumir. De
transcender. De achar que do outro lado é melhor.
É isso de acreditar que existem sempre
coisas boas escondidas num dia ruim.
É esse inferno que foi minha
adolescência. É verdade, ela não foi pior do que a de muita gente. Mas foi
ruim.
Eu sentia que não tinha
liberdade pra ser quem eu era. Acho que desde os 12 ou 13 anos, se bem me lembro. Foi nessa idade
que tudo se intensificou, mas as questões cresceram comigo enquanto eu brincava
de boneca, conversava sozinha, ficava olhando pro "nada" com cara de
abobalhada, enquanto eu me sentia sendo arrastada a cada novo trovão durante
uma tempestade...
É negatividade isso de lembrar-se das
coisas ruins da infância? Digo, eu poderia estar aqui rememorando momentos
bons, mas eles não se sobrepõem (pelo menos no momento.).
Aos 4 eu já tinha medo de
ir pra escola, medo de não fazer amiguinhos, medo da professora do primeiro pré
(tanto é que fugi duas vezes pro segundo pré), enfim, eu era bem medrosa. Mas
ao mesmo tempo que era a rainha do medo, também era a rainha da ousadia e
petulância. Apanhei muito da vida (e das pessoas) por causa disso. Talvez ter
apanhado tenha me feito crescer com ódio. Talvez tenha me feito crescer me
projetando num outro lugar, no mundo dos sonhos, da poesia, do amor, da beleza dos
sentidos. Mas isso era comum na época. Eu me lembro de ficar impressionada
quando alguma amiguinha me dizia: "ah, eu nunca apanhei, nem um
tapinha". Entretanto, não é esse o fio da meada.
Como eu estava dizendo,
mais ou menos aos 13 anos, fui percebendo mais detalhes do mundo, daquele mundo
que eu achava que seria um tiquinho melhor. Nos primeiros anos do então
conhecido "ginásio", que era de quinta a oitava série, fui uma menina
que ainda continuava aprontando muito, apesar de. Sempre dava meu jeitinho. Não
que muitas pessoas gostassem, mas eu era bem teimosa e petulante. Um pouco
revoltada também, afinal, adolescência. Antigamente eu era colocada pra fora da
sala por conversar demais, mas ao chegar na sétima série, me calei. É assim que
lembro.
Daí pra frente a coisa foi
ficando feia. O bullying já era uma tendência crescente, e eu, pra não cair na
exceção, estava entre as pessoas mais zoadas da turma. Acho que essa foi a
segunda grande dose de ódio que se introjetou na minha vida. Eu me agarrava fortemente
nas poucas amizades que tinha e nos sonhos de seguir uma carreira artística no
futuro. O período dos quinze anos foi horrível. Foi o pior ano da minha vida,
sem pestanejar! Foi o ápice da crise de TOC (transtorno obsessivo compulsivo),
depressão e ansiedade (que costumam vir no combo). Um ano inteiro sem saber o
que eu tinha, achando que eu estava errada o tempo todo, sentindo coisas que
pareciam não vir de mim, me rendendo a rituais dolorosos para afastar
pensamentos igualmente dolorosos. Medo. Muito medo. Pavor. Pânico. Sem ar.
Querendo realmente estar morta. Sem ninguém pra conversar. Conectada com a
solidão. No ano seguinte eu fui salva pela própria crise. Conheci um psiquiatra
que vou chamar aqui de Doutor Anafranil (nome do medicamento que eu tomei e que
quase me causou uma hepatite medicamentosa a longo prazo). Bem, Dr. Anafranil
queria me ajudar, mas ele também queria ganhar o salário dele, obviamente, né
amores.
Aos poucos fui
simpatizando com este senhor, pois via nele a pessoa que me ajudava a afastar
aquelas ‘pavorosidades’ da minha vida. Eu melhorei. Melhorei muito. Eu não
pensava que eu pudesse me sentir tão bem de novo. Meus olhos brilharam
novamente. Isso aconteceu durante um bom período dos 16 anos, época que estive
novamente no primeiro colegial. Eu até voltei a aprontar. Fiz amigas, fiz muita
cara feita, fiz tarefa em cima da hora enquanto a professora dava visto no
outro lado da sala. Fiz panelinha. Visitei inúmeras vezes a sala da
supervisora! Nossa, acho que ela me amava, porque não era possível. Mas tá,
muitas vezes eu pedia pra ser repreendida e abusava das desculpas - quase -
esfarrapadas. Era complicado, ainda que fosse mais aerado. Eu fui ganhando
liberdade outra vez. Mas... (quantos 'mas' possui este texto? te desafio a
contar)... então, eu caí lá no fundinho do poço de novo quando conquistei meus
maravilhosos 18 anos. Oh, que idade simbólica, meramente simbólica. Nada muda
muita coisa, a não ser as pessoas dizendo "você já tem 18 anos e lalalala
blablabla nhenhenhe nhe". Na verdade acho que foi na transição dos 18 para
os 19.
Desde muito antes eu já
nutria paixões platônicas, mas agora eu era uma pessoa perigosa, eu estava
disposta a ir atrás delas, custasse o que custasse. Quebrei a cara, lógico, que
outra resposta poderia se esperar? Em troca eu ganhei boas doses de aventura.
Me relacionei -quase- amorosamente com algumas pessoas, quebrei a cara de novo.
De novo. E de novo. Colecionei mais algumas paixões platônicas. Insisti em quem
não deveria insistir. Descobri uma in fi ni da de de maneiras para proporcionar
diversão. Aliás, esqueci de mencionar que a primeira vez que fiquei bêbada foi
aos 18 anos. Sim, eu pulei a adolescência "convencional". Digamos que
ela começou nessa época aí.
Com o passar do tempo fui
agregando valor ao meu sentimento perante a vida. Queria estar viva. Sentia
enorme vontade de enveredar por alguns caminhos, mas não investigava as
possibilidades. Muitas vezes voltei a me culpar. Acontece. Passei pela crise
dos 21, que irei chamar carinhosamente de "Ou vai, ou racha", aquele
momento que você precisa, realmente, refletir qual caminho quer tomar, se quer
mesmo tomar e o que está disposta a fazer para realizar os próprios sonhos. Daí
você é obrigada, obrigada mesmo, a crescer. E meu bem, isso dói. E desculpe, mas
o que vem depois não são só flores. Tem muito espinho envolvido nessa roseira
da vida. A gente tem que aprender a lidar, a ter cuidado, a respeitar as
emoções, entende-las, sublima-las, permiti-las e deixa-las ir. Temos que
entender que algumas ilusões vão virar pó. Que as pessoas vêm com a mesma
frequência que vão. Que o amor muitas vezes vai ser unilateral, talvez, com
muita sorte, incondicional.
Hoje, aos 24 anos,
pisciana, ascendente em leão, lua em gêmeos e muita coisa pra fazer, acho que
ainda não sei quase nada. Ainda choro sozinha as vezes. Muitas vezes. Detesto
chorar em público. Ainda falo mal da amiguinha vezenquando, mas depois me sinto
péssima por isso e percebo que algumas certezas são na verdade projeções.
Percebo que numa discussão entre duas pessoas, nem sempre uma precisa estar
errada para que a outra esteja certa. Continuo me apaixonando platônica e
intensamente. Entendo que há dias em que tudo vai parecer uma bosta, mas
noutros dias a luz se fará presente, e nesses momentos penso "aproveita,
gata, aproveita que depois passa". Acho que é isso. É essa a vibração. A
energia. A frequência. É isso de aproveitar intensamente o momento, treinando a
presença total, com o coração exposto pra fora.
"É tudo uma questão de manter a
mente quieta, o coração tranquilo e a espinha ereta."
Vivo pela curiosidade.
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