sábado, 1 de outubro de 2016

ninguém

as vezes parece que tem uma mesa de bar dentro da minha cabeça. lotada. as pessoas estão gritando.
eu queria que nesse bar aparecesse alguém dizendo que tem outros lugares pra visitar. o problema é que esse alguém nunca aparece.
então eu fico ali, passando o olhos nas pessoas pra ver se alguma delas me convida pra fazer-alguma-coisa-sabado-a-noite. nenhuma delas fala nada. nem bom dia, nem boa noite. no entanto continuam todas gritando. 
eu tento gritar também, mas a minha voz não sai.
todo mundo indo e vindo. eu procuro novamente algum olhar.
ninguém.
todo mundo tem um lugar pra ir. eu continuo ali. posso sair no momento em que eu quiser, mas sei que fora dos limites do estabelecimento eu serei mais uma desconhecida. pelo menos ali eu existo. indiferente. mas existente. insignificante. mas presente. dispensável. mas insistente.

se eu levantasse e fosse embora, tardariam a perceber. 

é que cheguei tarde. bem tarde. alguns anos atrasada. não pedi desculpas, não havia porque pedir desculpas. desculpas não consertam nada. desculpas são inúteis. desculpas deveriam ser jogadas pra fora do bar sem dó, sem piedade. 

olhei de novo:
todas as mesas estavam gritando, cantando, sorrindo, abraçando. eu tentei alcança-las, mas meus braços não me obedeceram. eu tentei levantar, mas meu esforço foi em vão. 
e na condição de espectadora, fiquei a contemplar. 

mais tarde, quando finalmente o movimento desacelerou, fiquei sozinha na mesa. ainda haviam algumas pessoa empilhando cadeiras. contemplei-as. fecharam o caixa. passaram a chave no portão, despediram-se e foram embora.
e eu?
eu jamais estive ali.

terça-feira, 26 de julho de 2016

jardim do inferno

tem um demônio no meu peito
demônio: palavra de efeito.
tem um demônio no meu peito
ansiedade
inquietação
vontade de jogar tudo no chão.
tem um demônio no meu peito.
raiva
efusividade
confusão.
as ideias estão voando
socorro
eu vou jogar tudo no chão
as emoções estão se chocando
os pratos na parede
os cacos na mesa
o dedo cortado.
tem um demônio no meu peito
sem jeito.


quinta-feira, 14 de julho de 2016

não queria dizer nada, mas

olha.

eu nem ía escrever isso.
eu tinha prometido que não escreveria sobre você, sabe, pra coisa toda não crescer.

como se isso fosse eficaz.

se fosse apenas a sua beleza que encantasse, tudo bem, eu desviaria o olhar, focaria em algum ponto fixo do ambiente ou ficaria encarando as árvores pela janela. seria fácil. mas o problema é que você é uma pessoa incrivelmente interessante. absurdamente inteligente.
ainda não havia encontrado alguém que respeitasse tanto o meu tempo.
de mês em mês o afeto foi crescendo. saudável. firme. aquela coisa bem enraizada, sabe?

é engraçado.
quando você chegou, eu pensei: "bem linda. mas será que vou me apaixonar?"
pensei que não.
longo engano.

a princípio, como eu disse, era fácil. eu apenas conhecia a parte da beleza. era só desviar o olhar. mesmo. ou dizer qualquer coisa simpática.
ao longo do tempo, confesso, a coisa foi ficando difícil. acho que meus olhos chegavam a lacrimejar discretamente quando encontravam os seus. que coisa ridícula, né mesmo? eu hein.
mas lacrimejavam. é sério.

era uma paz.
até que não era mais.
ultrapassei o looping da montanha russa.

não
não
não
não
não
não
não

ok.

sim.
e agora?

fácil.
é impossível. simples assim: IMPOSSÍVEL.
não dá um alívio na alma?
minha imaginação divaga e minha vênus em peixes fica ali, delirante.

as vezes, quando te olho demais, sinto tanta coisa ao mesmo tempo que, acredite, desvio o olhar pra qualquer ponto-sombra-janela-árvore-lâmpada-corredor-porta que encontro só pra que você jamais perceba que meus sentimentos alcançaram esse nível.

olha, se eu pudesse escolher, você sabe, eu teria ficado apenas com a bela parte da amizade. sério.
mas é a vida. nossa despedida tem data e hora marcada. eu sei. você sabe.
é fácil.
é simples.
é complexo.
é loucura.
não é.
mas ainda assim, é.

e se, daqui alguns anos, você descobrir que sim, essa foi pra você, não me leve a mal. só não contei porque não queria te afastar antes do inevitável.

desculpa.
você tem olhos lindos.


quarta-feira, 25 de maio de 2016

mercado: ballet pós moderno

a cesta é o tutu. atenção: jamais entre sem tutu, jamais pare de dançar no corredor.


primeira posição: alcancé prroduté. consiste em alcançar o produto na prateleira.


segunda posição: desvié carrrinhê. consiste em desviar o carrinho dos produtos no meio do corredor.


terceira posição: passé no caixè. consiste em passar pela caixa e não falar seu cpf.


até a próxima

nunca

a correria pra "ser alguém" é vazia. ouvir discussões sobre o texto é vazio, nunca consigo ler. acordar cedo é vazio. pensar que preciso arrumar o notebook é vazio. pensar que ainda não fiz matricula em didática porque estou esperando ajuda é vazio. pensar na aquariana é vazio. pensar nos sonhos que eu tive pra não morrer de decepção é vazio. mas


eu, criatura exilada na terra, nao sou corajosa suficiente pra pular fora dela.

sábado, 23 de abril de 2016

súplica

deusa, senhora dos tempos e ventos, dai-me paciência para não me render ao drama exagerado.
pois, oras bolas caraminholas, existem pessoas que pensam conhecer as outras calcadas nos fragmentos que observam. daí que costuram esses fragmentos - e bem mal costurados, diga-se de passagem - e pensam conhecer-nos a fundo.
o outro pedido vale para a interpretação dos fatos: seria abusar demais da vossa boa vontade ao quase implorar para que as paranoias mantenham-se bem tranquilinhas onde as deixei? não é só por mim, amada deusa, é mais pelas outras pessoas mesmo. sabe, seria uma pena machuca-las só porque eu penso que elas estão pensando tal coisa ou só porque imagino que estão dizendo Z quando na verdade estão dizendo X e eu entendi Y.
aliás, devo ser sincera e pedir que reserve uma dose extra e também emergencial dessa ilustre paciência para que me seja possível manter o discernimento. ah, o discernimento! quanta falta faz esse ingrediente especial na receita dos dias.
por ora é só.
talvez depois seja necessário adicionar umas gotas de adendos.

gratidão.

quarta-feira, 30 de março de 2016

valsa em saturno

eu chamo isso de hiatos.
sabe aqueles momentos que o universo reserva pra gente ser bem feliz? então, creio que seja uma forma de compensação pelos desesperos que passamos durante a vida. uns momentos ali, outro acolá, pra fluir e sentir.
é engraçado. a gente passa o tempo esperando as portas se abrirem, mas esquecemos que existem várias janelas por aí. e devo dizer que, com muita calma, é possível encontrar uma dessas janelas e saltar por ela. deixar cair. sabe alice no buraco? então. observando as maravilhas do caimento. estado contemplativo profundo. ondas alfa. aroma de flor.
é claro que, entre um hiato e outro, há aquela montanha russa chamada ansiedade, na qual o looping chega antes mesmo da subida.
curioso, né?
são várias pequenas imensas tempestades.
raio.
luz.
trovão.
virar a esquina, descer, subir, correr, voltar, andar, deitar, sonhar.
é uma sucessão de fatos e ações que levam a dona alice até as questões de suas respostas.
inefável!
era essa a palavra que não me deixa dizer as outras palavras.
essa palavra que diz tudo sem dizer nada.
essa canção silenciosa na passagem do vento.
é isso aí.